terça-feira, 5 de agosto de 2014

Veritas

Ela caminhava pela sombra olhando o chão. Não via na verdade onde pisava, por ter a cabeça noutro lugar. Havia alguns anos que estava presa numa teia que começou como um jogo, ao qual ela nunca soube jogar. Melhorou ao longo dos anos, tornou-se mais cuidadosa nas peças jogadas, e aprendeu por fim a perder, enquanto fingia ganhar. 
Os caminhos já não eram os mesmos, mas a sensação sim, a cabeça pesada e o coração apertado.
Levantou os olhos quando chegou ao seu destino e encontrou-o sentado. Sorridente, como desde o primeiro dia que o vira, e já fazia tanto tempo. Talvez uma ou outra ruga tivesse surgido, mas ela não reparava em nenhuma diferença, era como voltar atrás no tempo. 
Ela não se sentou, e manteve a distância. Ele não a questionou, e o olhar mostrava compreensão. Reconstruíram juntos memórias já com falhas, eram músicas, toques, olhares encontrando-se na multidão, mágoas antigas. Ela despejou o coração pela boca, abriu o jogo bem na sua frente, porque quem perde um dia desiste de jogar, e foi se sentindo mais leve, como se o fingimento dos anos lhe pesassem nos ombros. 
Despediram-se com um abraço, de quem lamenta não poder começar tudo de novo sem os erros cometidos, mas separaram-se aí mais uma vez. 
Ela sabe que o jogo está na fase final, mas ainda procura um sinal nas entrelinhas de que ele se sinta tal como ela.
Queria fazer mais, mas era tarde para ela, e por fim, guardou só para si que a única coisa que sempre quisera era chegar ao seu coração. 

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