segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Segredo

É segredo. Terá que ficar entre nós.
Gosto das cócegas que me fazes, mesmo que implore para parares, aflita de tanto gritar e espernear. Cansa tentar fugir às tuas cócegas, mas é um cansaço dos bons. Os meus risos preenchem o teu quarto enquanto rebolamos na cama; eu a fugir dos teus braços, tu tentando apanhar-me.
Gosto do teu sorriso enquanto me agarras com força para não fugir de ti. Mas é segredo, não contes a ninguém.
Conheces-me tão bem. Vês no meu olhar quando te peço um beijo em silêncio. Decifras nos meus gestos quando quero que me dês a tua mão. E já sabes tão bem como que a Terra gira em redor do Sol, que quando viro minhas costas para ti quero que te encaixes na perfeição e coloques os teus braços ao redor do meu corpo, protegendo-me de todo o mundo. É agradável sentir a tua respiração no meu pescoço enquanto dormimos, e o teu corpo encostado ao meu, sem barreiras, só pele com pele.
Mas xiu, é segredo! Pois tudo me faz apaixonar mais por ti...

"The Poem I Didn’t Write", Raymond Carver

"Here is the poem I was going to write
earlier, but didn’t
because I heard you stirring.
I was thinking again
about that first morning in Zurich.
How we woke up before sunrise.
Disoriented for a minute. But going
out onto the balcony that looked down
over the river, and the old part of the city.
And simply standing there, speechless.
Nude. Watching the sky lighten.
So thrilled and happy. As if
we’d been put there
just at that moment."

sábado, 28 de setembro de 2013

Reflectida

Ela dança louca
Sobre espelhos partidos.
A sua imagem é reflectida 
Em fragmentos,
Que imagem fiel de si mesma!
Parece indiferente aos seus pés
descalços, manchados de sangue.
Dança com um parceiro invisível
E finge um sorriso com os lábios
Que não chega aos olhos
Fechados. Que imaginará ela
para calar a dor?

Os pés choram
E a dor é aguda.
Milhões de cortes, feridas,
Os pedaços penetram bem a pele
Tenra, jovem, A ternura.
Mas está tudo bem.
É preciso. 

O cubo

Carrego um cubo opaco dentro do peito.
Nele escondo as minhas feridas, de olhares indiscretos, de aguçados ouvidos, de atentas e perspicazes pessoas. É um cubo pesado, que torna lentos os meus movimentos, que me faz andar atrás, que me faz parar no caminho para recuperar o fôlego. Dificulta-me a respiração, e torna o ar impuro para o meu corpo. Este meu corpo tudo quer rejeitar, e o estômago encolhe-se no vazio. Ele pede para ficar sozinho no desespero.
O cubo carrega uma vasta onda de escuridão e eu abraço-me para me proteger do ar gelado que de lá sai. Mas como nos protegermos de nós próprios? do nosso interior?
Porque quero carregar sozinha este peso?

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Discurso directo em Amor e Perda

O frio voltou. Não me coloco à janela, que fechei por completo. Perdi interesse no céu estrelado. Perdi interesse no cheiro da noite e no único som vindo dos animais no mais completo silêncio. 
O coração já sofreu tantos remendos, no seu passado, que hoje racha ao menor sinal de agressão.
Hoje, ele desenterra o passado, e com o passado os mesmos medos, a mesma ansiedade, e a esperança? vem tão fraca como fraca ficou outrora, tão baça, tão gasta, tão maltratada.
Como voltar a ensinar um coração a acreditar? Como o fazer depois de ele ter acreditado em mentiras? Depois de ele ter aprendido que o mundo é um lugar desleal? Como fazê-lo ter esperança num mundo finito? Tudo termina um dia.
A frase que me deita ao chão de pedra, duro e frio, gelado na verdade.
O que fazer num mundo em que tudo termina?
O que serei amanhã? Estarei viva amanhã? O que é o amanhã?
É inevitável o choro. Talvez hoje não chore, talvez chore um pouco, só para lavar a alma. Mas um dia, o meu coração quebrará.
O típico sofrimento humano: estar a sofrer quando as coisas estão mal e sofrer com medo que corram mal, quando tudo está bem. Sou uma humana típica, eu suponho.
Tenho um medo que me dilacera a alma.
Alguma vez amaram alguém com todo o vosso coração? Falo a sério. Sentir-se cheio, completo, sentir algo brotar de dentro, seja do coração ou de qualquer outro órgão? Sentir que mais ninguém se chega tão próximo, que mais ninguém te conhece assim, com quem precisas de partilhar tudo porque ele é uma extensão de ti?
Nunca soube o que é o amor, nem me quero arriscar a dizer que sei, mas não estarei próxima quando sinto tudo isto? Quando as saudades apertam após poucas horas de ausência?
No início, não sabendo o que significava o amor, temi tratar-se de "paixão correspondida", de atracção física e sexual. Temi que não durasse mais que uns dias, depois mais que umas semanas... não pensei chegar até onde chegámos. Mas hoje, é tarde para protecções. Hoje estou aqui de corpo, alma, coração, e tudo aquilo que possua, para dar.
Não sou hipócrita dizendo que nada quero em troca. Quero. Eu quero o mesmo amor de volta. Quero não ser a única que prefere dormir abraçada, num dia de extremo calor, a dormir sozinha; Quero não ser a única a procurar a mão para podermos estar sempre unidos. Quero não ser a única a deixar tudo o resto só para poder abraça-lo mais uma vez. Não quero ser a única a dar tudo. Não quero acabar sozinha, num banho de lágrimas, sem nada com que me consolar.
Nunca vi ou senti nada assim. Será que toda a gente se sente assim um dia? Será que toda a gente encontra alguém de quem quer tomar conta, cuidar com todo o carinho, alguém para mimar, alguém para brincar, alguém com quem chorar, mas que nunca nos faça chorar, alguém em quem nos apoiarmos, alguém a quem se entregar totalmente?
Basta um sorriso. Nunca vi ninguém tão bonito. Nunca vi alguém tão brilhante, tão resplandecente. Tão bom coração. Tão meigo, tão carinhoso, tão atento às necessidades dos outros.
Nunca me senti tão bem por ser sincera, por poder mostrar o meu verdadeiro eu, sem me sentir culpada. Nem nunca me senti tão bem por não ser repreendida e sim compreendida. Acho que tinha um medo  aprendido sobre ser "eu", sem omissões, poder mostrar os meus medos, as minhas tristezas. é bom uma vez na vida não ser errado estar triste, e alguém mover o mundo para me fazer feliz.
E é assim, em discurso directo, que ao fim de três páginas as lágrimas me vêm aos olhos por me lembrar que sou uma sortuda, dure o tempo que durar. Aprendi a amar. Todo este tempo tenho tido o que de melhor poderia ter encontrado. E é tão difícil pensar que o poderei perder.

Medo

É como estar doente, duma doença sem nome. É crónica e piora.
Destrói aquilo em que acreditamos, mesmo quando o nosso coração quer acreditar.
A nossa mente começa a construir padrões, e quando surge algo que se parece encaixar... surge o alerta insistente que não nos deixa dormir. É a dúvida que se implanta, mesmo nos locais menos apropriados. 
E quando os padrões não são iguais, nós torna-mo-los semelhantes, criamos na nossa imaginação como se desenhássemos os contornos da realidade. A partir desse momento só existem aspectos negativos, muitos deles inventados, mas que são para nós tão reais e verdadeiros.
É uma doença que nos enjoa e faz vomitar. É uma doença que nos tira a fome, que nos tira as forças, que nos tira as vontades de tudo e de nada.
É como morrer lentamente sobre nosso próprio controlo. É como matar a esperança ao mesmo tempo que a queríamos ter salvo.
É querermos ser o nosso fim, só para morrermos preparados.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

De lírios

E se aprisionasse minha alma
Onde não a pudésseis ver,
ou tocar
E se a soprasse ao vento
Dentro da sua gaiola com asas
e a vísseis desaparecer
no infinito.
Qual melhor fado ela teria?
Que fado teríeis vós também
Que fado grotesco
oriundo de um canto do Inferno
Como Dante anteviu.
Seríeis vós feliz
Sem alma pertencente a vós
Como a minha, fiel.
Mas minha alma não pertence a este plano 
Não mais.
Não, quando se encontra
com vós.
E o meu peito extravasa...
Amor.

sábado, 21 de setembro de 2013

Se's

O que acontecerá se um dia me faltares?
Se um dia eu acordar e de repente seres parte apenas dos meus sonhos?
Se estiveres num outro lugar, que eu não consigo alcançar?
Se um dia um de nós tropeçar, escorregar, virar para o caminho errado, se nos perdemos um do outro?
A quem contarei meus medos? A quem me confiarei, como me confio a ti? Eu sou frágil, e só ao teu toque permaneço intacta. 
Quem me abraçará quando eu tiver medo do escuro? Quem me dará a mão e a apertará discretamente, quando eu estiver a perder as forças? Quem me sussurrará palavras doces, meigas, confiantes quando sentir que o dia está a correr mal? 
Os teus braços confortam-me quando desabo feita rio, num pranto inexplicável. 
Que será de mim, se não me abraçares mais?

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Nada

Apetece-me arrancar todas as ínfimas partes de mim.
Desmembrar-me.
Sangrar-me.
Fazer dos meus ossos pó.
Espalha-los por diversos lugares, tão distantes quanto inexistentes. Infinitos talvez.

Ser eu, sem mim mesma.
Ser tudo quando não sou nada.
Ser nada, no fim do dia.

domingo, 15 de setembro de 2013

Auto-punição

Ela odiava o mundo. 
Ela odiava não escolher , e odiava ter que escolher. 
Ela partia os vidros arremessando-os contra as paredes cinzentas e enrugadas. Ela gritava numa sala grande e vazia, e ouvia o seu eco em retorno. Quando não gritava ficava só silêncio. Ela gostava do silêncio ao mesmo tempo que o odiava. Ela sentia vontade de se partir aos pedaços, de ver o seu interior, de se poder arranjar, sentia algo estragado dentro de si. 
Ela corria fugindo de tudo. Quando aparecia uma brecha de sol ela corria para a sombra.
Quando caia uma gota de chuva ela sentava-se no chão sujo e deixava-se enregelar até não sentir mais o corpo. Ela auto-punia-se, sem saber porquê. 
E sentia-se tão triste, por não conseguir ser doutra forma.

sábado, 14 de setembro de 2013

Carta de Amor

Os dias estão mais leves.
É como pesar menos que nada e viajar nos teus braços. Sinto-te como o meu lar. Gosto de me encostar a ti e entregar-me ao teu calor, quando nada mais existe neste mundo gelado. 
Gosto de abrir-te o meu coração, sem fachadas, sem mentiras, sem omissões. Gosto de te deixar entrar, e de te pedir para permaneceres. Gosto da forma como me enterneces, como deixas o meu coração tão mole, tão livre para te amar.
Espero que entendas nos meus beijos loucos e esfomeados, e nos mais ternos e apaixonados, o quanto estou grata por tudo o que me dás. O carinho, as palavras verdadeiras, os abraços apertados, o apoio. Obrigada por gostares de mim por quem sou. Obrigada por acompanhares as minhas loucuras. Obrigada ainda mais por secares as minhas lágrimas. Obrigada por seres o melhor amigo, o melhor amante, o melhor companheiro. Amar-te é pouco.

domingo, 8 de setembro de 2013

Coimbra amada

Há uma certa nostalgia no ar. Redes sociais repletas de caloirinhos prontos a começar a faculdade. Felizes porque entraram nas instituições que desejavam, no curso dos seus sonhos. Todos os dias sinto a felicidade de estar no curso que desejo, mas já lá vão três anos, três anos que passaram a correr, e o tempo não parece abrandar.
Há três anos atrás era eu quem corria aos pulos mentalmente, e tinha o coração sobressaltado, por tanto querer vir para Coimbra. Este ano termino a licenciatura. Hoje pertenço tanto aqui, que não me consigo imaginar noutro local, nem a ter outra vida.
Contudo, já vou a meio do meu percurso por cá. É assustador o quanto o tempo passa rápido, por mais que o queiramos segurar. Coimbra é saudade. Coimbra é saudade desde o momento que deixamos de ser caloiros. Coimbra é o constante pensar de que o tempo não pára e que não podemos ficar para sempre. Coimbra é a certeza que a felicidade existe, e a incerteza de se ela durará para sempre.

"Levas em ti guardado
O choro de uma balada
Recordações do passado
O bater da velha cabra

Capa Negra de saudade
No momento da partida
Segredos desta cidade
Levo Comigo para a vida"

F R A!

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Paz de espírito

Ela senta-se na poltrona grande. Estica as pernas por cima da mesa de centro, que estava tão imaculadamente arrumada. Encosta-se para trás enquanto ouve música clássica. Os olhos fecham-se voluntariamente e parece existir só ela e a música. Ela dilui-se e tudo o que é ou não é deixa de ser relevante, tudo é música naquele instante. Ela própria é música, ela própria vibra como as cordas dos violinos, os dedos imitam os movimentos do toque do piano nos braços da poltrona, o batimento do seu coração compassa ao ritmo do que ouve. Tudo é fluido, nem se apercebe que com um simples toque, suave, empurrou a jarra para o chão.
Recorda o dia. A sensação da areia nos pés enquanto caminha, o sol beijando a sua pele e o vento acariciando as suas costas. Enrosca-se um pouco mais na poltrona enquanto pensa no reflexo do sol nas águas, enquanto revive o sentimento de envolvência da água em torno do seu corpo como se de um velho amante se tratasse.
É tudo tão apaixonante.