sexta-feira, 29 de maio de 2015

Adormecido

Prende-se na garganta um suspiro. Os olhos baços admiram a lua lá no alto. E parece a noite consumir tudo ao seu redor. Há um conforto no silêncio, embora uma banda sonora toque dentro da mente.
Tudo desaparece, e ficam só as estrelas e a lua. Quem sabe o corpo flutue, ou voe, ao seu encontro. 
Viro-me para dentro. Poderia pegar numa memória e desenrola-la até hoje, mas vejo-as passar. O sono manda os olhos fechar, e o corpo relaxa de encontro à parede fria. Nada o parece acordar, e o silencio é quebrado pelos pássaros enchendo o ar com a sua melodia, e os primeiros raios de sol escondem as estrelas até à próxima noite. Porque não ficar? Banhar-me nessa luz dourada da manhã, até chegar de novo a noite e despertar deste sono passageiro. 
O corpo recusa-se a mexer, e os sonhos preenchem agora o mundo. É como se parasse, durante uns dias. Ou voltasse atrás. Voltaria atrás, para poder saborear mais uma vez o sol a beijar o rio à chegada e à despedida, e a lua a subir no alto como um balão. Contar as estrelas, até serem mil e eu me perder no seu leito.
Agora não há tempo. Chegou a hora de dormir.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Ponte velha

Caminho nesta ponte de pedra. Tem buracos, e é já antiga, e eu bem sei como tenho medo de alturas. Deixo o pé beijar a morte, e o olhar segue em frente enquanto caminho e enfrento o vento que me quer deitar ao chão. Seguiria facilmente por outro caminho, onde não tivesse medo, mas que seria eu além duma cobarde? 
São dias, que esta ponte leva a atravessar, e eu não sei se vou tropeçar, ou se vou chegar ao fim intacta. Mas tenho que aceitar com bravura a minha demanda, "o que não nos mata torna-nos mais fortes". Há um suspiro a cada dez passos dados sem parar, e eu paro com medo onde colocar o pé a seguir. Já não sei onde o colocar, enquanto já não posso voltar atrás. 
Envolta em névoa, não vejo onde passo ou o que me rodeia. Não vejo o fim do caminho, nem se ele algum dia será mais que um precipício. Não terá a ponte desabado em algum momento?

domingo, 17 de maio de 2015

Pedaços soltos de mim

Beija me suave, com esses teus lábios espinhosos, e diz que me queres, enquanto viro as costas e te deixo cheirar o meu cabelo. Tenta agarrar-me, que eu te fujo, por já não querer o sabor agridoce na minha boca, e quem sabe terás sorte se eu tropeçar nesta corrida.
Talvez me esqueça de ir, ou talvez me esqueça de ficar. Talvez me esqueça de quem sou, talvez me esqueça de quem fui, talvez nasça num novo dia, e noutro lugar.
Fecho os olhos e abro os braços, pronta a abraçar o mundo, sem saber se ele está pronto para me abraçar a mim. Conto os dias em segundos, pronta a deixa-los para trás, a vê-los uma ultima vez. É fácil deixar tudo esfumar-se por entre o nevoeiro da manhã, e sentir o vento gelado na cara. Misturo-me com o orvalho, e finjo ser parte do ar, tão invisível que passes por mim e não me vejas, talvez nem nunca mais me encontres até eu querer voltar a encontrar-te.
Arranco o coração do peito e dou a comer ao cão esfomeado que passa por mim, e o devora sem parar. Depois, tiro o lenço branco imaculado do bolso e limpo o sangue que mancha o chão que piso. Deito-me ao lado do cão, agora saciado, e abraço-o enquanto ele me lambe a mão, cativado com a minha amabilidade. Quem sabe sejamos agora iguais, e eu faça agora parte do mundo, e já não pertença a ninguém.
Dá-me só a mão, não me deixes perder.

domingo, 3 de maio de 2015

Dançar

Deito-me na tua cama, nesses teus lençóis lavados. São macios e cheiram a flores. A cor da minha pele contrasta com a sua brancura, e eu enrolo-me neles, e afundo-me no teu peito, também nu. Fecho os olhos enquanto apagas as luzes, e entrelaço o meu corpo no teu preparando-me para dançar. O ritmo dá-o o som da chuva lá fora, que não parece querer parar.
O relógio pára, e o silêncio invade-nos excepto pelo som das nossas respirações sincronizadas.
Toco no teu peito e sinto o teu coração bater rápido e beijo o teu pescoço, a tua face e os teus lábios como exigindo-os só para mim.
Os teus lábios queimam, assim como as tuas mãos roçando o meu corpo e puxando-me para ti. Abraçamo-nos e perdemos a noção de um mundo em que a única realidade que interessa somos nós dois. Vem até mim, todas as vezes que os ponteiros do relógio soarem. Vem até mim, todas as vezes que a lua se esconder ou aparecer atrás duma nuvem. Vem até mim todas as vezes que as gotas da chuva molharem o chão da calçada. Vem até mim, que não te deixo ir longe, e te agarro com ambas as mãos. Mas nenhum de nós se quer levantar.